A perda precoce de molares decíduos predispõe as maloclusões, entre estas o apinhamento dentário, impactação de dentes permanentes e alteração da relação molar e canino.
O objetivo do estudo foi determinar o efeito das perdas precoces dos molares decíduos na relação horizontal incisiva. O estudo é do tipo documentado, retrospetivo e observacional. Foram avaliados os registros ortodônticos (histórias clínicas, fotografias e radiografias) de 209 pacientes na faixa etária de 4 a 15 anos de idade. A relação incisiva horizontal foi considerada normal para os pacientes do GRUPO 1, com contato entre a face incisal dos incisivos inferiores e a face palatina dos incisivos superiores. No GRUPO 2, a relação incisiva horizontal foi considerada aumentada, com distância positiva entre eles e no GRUPO 3, a relação incisiva horizontal foi considerada negativa quando as faces incisais dos incisivos superiores e inferiores se encontravam a topo ou em mordida cruzada. Os dados foram analisados através do coeficiente Pearson (p ≤ 0,001).
Na análise dos dados coletados, o total de quarenta e cinco pacientes (22%) apresentaram perdas prematuras. A prevalência destas perdas não apresentou diferença significativa entre sexos e foi maior no grupo de faixa etária de 7 a 9 anos de idade. Dos pacientes com perda prematura seis (13,3%) foram clasificados no GRUPO 1; doze (26,7%) no GRUPO 2 e vinte e sete (60%) no GRUPO 3. A relação entre o número de molares perdidos e a presença de mordida cruzada anterior foi encontrada, e a média de molares perdidos (4,7) foi maior no GRUPO 3. Os resultados mostraram que as perdas precoces dos molares decíduos apresentam uma relação estatisticamente significante com a mordida cruzada anterior, sugerindo que a falta de suporte oclusal pode favorecer o desenvolvimento protrusivo da mandibula.
Palavras chave: perda precoce, molar decíduo, maloclusão, mordida cruzada anterior.
Premature loss of primary molars produces different malocclusions that include crowding, tooth impactation and alteration in molar and canine relation. The aim of this study is to determine the effect of premature loss of primary molars on the incisor overjet. The design is documental, retrospective, and observational. Orthodontic records (dental charts, photographs and x-rays) of 209 patients ages 4 to 15 years-old were examined. Overjet was considered normal (group 1) when the incisal border of the lower incisor occluded with the palatal surface of the upper incisor, increased overjet (group 2) when a positive distance was notes and negative overjet (group 3) when incisal borders were edge to egde or in cross bite. Data were analysed using Pearson´s test (p≤0,001). 22% (45 patients) presented with premature molar loss, no significative difference between genders was noted and prevalence was higher for the 7 to 9 year-old group. Patients with premature molar loss were classified according to overjet;, 6 (13,3%) were included in group 1; 12 (26,7%) in group 2 and 27 (60%) in group 3. The mean number of lost molars in group 3 was 4, 7; higher than the other two groups. A positive association was found between number of lost molars and prevalence of anterior cross bite. Premature primary molar loss has a statistically significant positive association with anterior cross bite, that may be related with lack of vertical posterior occlusal support and protrusive mandibular displacement.
Key words: premature loss, primary molar, malocclusion, anterior cross bite.
A perda prematura de dentes decíduos ocorre quando esses dentes se esfoliam ou são extraídos antes da fase fisiológica de substituição. O tempo transcorrido entre a perda do dente decíduo e a irrupção de seu respectivo sucessor dices de cárie, a perda de molares é menor que naqueles nos quais há elevada prevalência de cárie, somando-se à escassa cobertura de tratamentos odontológicos.
Nas dentaduras decídua e mista precoce, os molares decíduos estabelecem as relações oclusais nos planos sagital, vertical e transversal, mantendo o espaço para a irrupção dos dentes permanentes. Os fatores que determinam o efeito das perdas prematuras sobre a oclusão são: as características prévias existentes na arcada dentária, a idade em que ocorreu a perda e o tipo de dente decíduo que foi perdido.1,9,12,13
As consequências das perdas prematuras incluem alterações no plano sagital e diminuição do perímetro e do comprimento do arco, com a consequente perda do espaço disponível para o alinhamento dos dentes permanentes, o que pode resultar em apinhamentos, irrupções ectópicas e impactações dos mesmos. Isso ocorre devido à migração mesial dos molares permanentes e por disto-inclinação ou retrusão dos dentes do segmento anterior. Foi relatada alteração nas relações entre molares e caninos como consequência dessas migrações dentárias.1,4,6 Também foram descritas modificações no plano vertical, como aprofundamento da sobremordida e, no plano transversal, foram observadas mordidas cruzadas no lado da migração dentária.9 Entretanto, o impacto na sobressaliência não havia sido previamente relatado.
O objetivo da presente investigação é determinar o efeito das perdas prematuras de molares decíduos na sobressaliência.
Foi delineado um estudo documental, retrospectivo e observacional. Aamostra foi constituída de registros ortodônticos (histórico clínico, fotografias e radiografias) provenientes de 209 pacientes que frequentaram o Serviço de Ortodontia Interceptativa do programa de Pós-Graduação em Odontologia Infantil da Universidade Central da Venezuela, no período de 2004 a 2007, os quais foram analisados. O diagnóstico inicial foi obtido a partir da avaliação de três especialistas previamente calibrados (odontopediatras e ortodontistas), utilizando-se a classificação de Angle,14 modificação Dewey-Anderson.15,16
O critério de inclusão na amostra de estudo foi a perda prematura de molares decíduos em pacientes aparentemente sadios. Considerou-se perda prematura quando o dente havia sido extraído antes de seu período normal de esfoliação. A amostra foi constituída por 45 pacientes. Esses pacientes foram posteriormente agrupados, de acordo com o grau de sobressaliência, em 3 grupos de estudo, como está resumidamente demonstrado na Tabela 1.
Os registros diagnósticos foram transferidos para um quadro criado para esta finalidade. Para o processamento computadorizado de dados foi utilizado o aplicativo estatístico SSPS. O grau de correlação de variáveis foi estabelecido mediante o coeficiente X2 de Pearson, com nível de significância estatística de p≤0,001.
A amostra utilizada para a investigação foi homogênea, em relação ao gênero, com 49% (106) de meninas e 51% (103) de meninos. Quanto às idades, a que mais prevaleceu foi a faixa de 7 a 9 anos, seguindo-se as de 10 a 12 anos e de 4 a 6 anos. Finalmente, a menos prevalente foi a de 13 a 15 anos.
A prevalência de perdas prematuras foi de 21,53% para a população estudada. Do total da população, 63 (30%) pertencia ao grupo 1, 69(33%) ao grupo 2 e 77 (37%) ao grupo 3. Dos pacientes que constituiram a amostra com perdas prematuras, 6 (13,3%) foram alocados no grupo 1; 12 (26,7%) no grupo 2 e 27 (60%) no grupo 3.
A Tabela II demonstra que o total de pacientes com perdas prematuras de molares decíduos foi de 45 pacientes, tendo sido classificados de acordo com a sobressaliência. O grupo mais prevalente foi o 3 (mordida cruzada anterior), com 60% do total de pacientes com perdas prematuras, os quais apresentaram 126 molares perdidos. A diferença entre grupos foi estatisticamente significante, demonstrando que para esta amostra houve correlação positiva (p≤0,001) entre as perdas prematuras e mordida cruzada anterior. A média de molares perdidos foi maior para o grupo 3, quando comparado aos grupos 1 e 2.
A Tabela III descreve o total das perdas prematuras com cada um dos subgrupos do grupo 3. A localização dos molares perdidos, maxilar ou mandibular, apresentou uma distribuição uniforme, não tendo sido determinante o tipo de má-oclusão apresentado pelos pacientes. A Classe I tipo 3 foi a má-oclusão mais prevalente dentro deste grupo. Não houve diferenças estatitisticamente significantes entre a quantidade de molares perdidos e o diagnóstico de má-oclusão (classificação de Angle, modificação de DeweyAnderson) no grupo 3.
A probabilidade de esta população apresentar mordida cruzada anterior é 2,57 vezes maior para os pacientes com perdas prematuras, em comparação com aqueles que não as apresentam. Isso se reflete no cálculo da razão de chances (odds ratio) demonstrado na Tabela IV.
A relação da perda prematura de dentes decíduos com o desenvolvimento de más-oclusões tem sido amplamente discutida. A maioria dos estudos demostra que se produz um encurtamento de perímetro do arco, provocando apinhamento de dentes permanentes, erupção ectópica ou impactação dos últimos dentes a irromper (caninos ou segundos pré-molares superiores, segundos pré-molares inferiores).1 Entretanto, outros autores têm descrito que as alterações tridimensionais produzidas pela perda exclusiva do primeiro molar superior decíduo não são significativas, desde que o primeiro molar permanente se encontre completamente irrompido e em relação oclusal de Classe I.17
As evidências permitem inferir que em algumas situações clínicas as extrações de molares decíduos, sem tratamento preventivo adequado, provocarão perda de espaço e alterações das relações sagitais.1 A migração dentária que ocorre inclui a mesialização de molares e, em alguns casos, a distalização de caninos decíduos inferiores. Esta migração dentária determina, além de encurtamento do perímetro do arco, a alteração da relação molar e canina.1,3,6,9,18,19
Na literatura atual são poucos os estudos em que são analisados os efeitos das perdas prematuras sobre a relação interincisiva. A maioria foca em descrever as mudanças longitudinais no arco dentário ou as características da relação molar e canina. D’Escrivan20 e Betancourt10 realizaram estudos de prevalência das más-oclusões na Venezuela, descobrindo haver relação entre as perdas prematuras de molares decíduos e a Classe I em seus tipos distintos.
No estudo realizado por Pedersen et al.9, é descrito como a falta de suporte posterior pode promover o aprofundamento da mordida, incluindo-se a análise das consequências sobre o plano vertical, embora não seja avaliada a alteração interincisiva no sentido sagital. Esses autores mostraram haver correlação positiva estatisticamente significante entre as perdas prematuras e a presença de mordidas cruzadas, mordidas profundas e alterações na relação sagital dos molares permanentes.
Quanto à distribuição das perdas prematuras, nesse estudo não houve diferença na frequência de perdas de molares da maxila e da mandíbula. Isto contradiz os resultados de Kisling e Hoffding12, que encontraram perdas prematuras em proporção de 3:1 de molares da mandíbula em relação aos da maxila. Cabe destacar que, na presente investigação, a sobressaliência negativa ocorreu independentemente da localização do molar perdido prematuramente.
As referências acerca de como as perdas prematuras de molares influem sobre as relações interincisivas horizontais são escassas. Na presente investigação não se estudou as alterações no perímetro do arco nem a relação molar, embora um dos objetivos tenha sido determinar a possível relação da perda prematura de molares decíduos com a presença de mordida cruzada anterior, levando-se em consideração que a falta de suporte posterior pode promover o movimento mandibular protrusivo como uma adaptação, na busca de contato oclusal. De acordo com os resultados, para esta população, os pacientes com perdas prematuras têm probabilidade 2,57 vezes maior de apresentar mordida cruzada anterior do que aqueles que não têm perdas prematuras, mesmo que isso não demonstre uma relação direta de risco ou causalidade.21
A sobressaliência positiva aumentada (grupo 2) foi menos prevalente nesta amostra e não mostrou relação direta com a perda prematura. Ainda que as características étnicas das populações difiram, os resultados coincidem com os de Kisling e Hoffding12 e Pedersen et al.9, os quais não descobriram relação entre perdas de dentes decíduos e a frequência aumentada de sobressaliência positiva.
Em um estudo realizado em um centro ortodôntico por Medina et al.11 houve associação positiva estatisticamente significante entre a presença de perdas prematuras e o diagnóstico de Classe I tipo 1, 3 e 5 e Classe III tipo 3. Destaca-se que, nesse estudo, os 30,60% dos pacientes com máoclusão Classe III apresentaram perdas prematuras, em comparação aos 25% com Classe I e os 18,20% com Classe II. Isto pode ocorrer debido ao fato de não haver apenas o encurtamento do perímetro do arco, há alterações nos três planos espaciais ocasionadas por perdas múltiplas, produzindo falta de suporte posterior da oclusão, diminuindo a dimensão vertical e favorecendo a protusão mandibular em busca de maior contato oclusal.
Também têm sido descritos diferentes graus de afecção da ATM, dos movimentos mandibulares funcionais e da posição dos côndilos em pacientes pediátricos com perdas prematuras, embora não haja associação com disfunções temporomandibulares.22
Em adultos edêntulos, tem sido descrito que a perda de suporte posterior favorece o deslocamento protrusivo da mandíbula, produzindo mordida cruzada anterior ou pseudo Classe III.24,25 Ciftçi et al.24 demonstraram, por meio de cefalometrias laterais, que ao se restaurar a altura facial posterior, todos os pacientes tiveram restabelecida a relação esquelética de Classe I. Concluíram que a diminuição da altura facial posterior, por ausência de contato oclusal, determina um deslocamento anterior protrusivo da mandíbula, que em adultos se assemelha a uma Classe III postural.
Estas observações em adultos podem ser extrapoladas para a situação clínica dos pacientes pediátricos com falta de suporte vertical posterior devido a perdas prematuras. Assim como em adultos edêntulos as disciplinas de prótese têm mostrado especial interesse na restauração do plano vertical para corrigir a relação interincisiva e diminuir as possíveis conseqüências da perda de dimensão vertical, em pacientes pediátricos com perdas prematuras a restauração da dimensão vertical é particularmente importante. A perda de suporte posterior pode ocasionar um redirecionamento do crescimento mandibular, além de inclinações dentárias excessivas, produzindo-se uma verdadeira má-oclusão Classe III, com origem funcional e ambiental.
Na presente investigação obteve-se uma associação estatisticamente significante quando a perda prematura foi relacionada à mordida cruzada anterior. À medida que se perdiam mais dentes e o espaço desdentado era maior, os efeitos encontrados foram mais prejudiciais e com maior predisposição para a mordida cruzada anterior. Isto pode dever-se ao fato de não haver apenas o encurtamento do perímetro do arco, como também há alterações nos três planos espaciais, ocasionadas pela falha no suporte posterior da oclusão, diminuindo a dimensão vertical e favorecendo a protrusão mandibular em busca de maior contato oclusal.
Foi analisada a evidência da necessidade do uso de mantenedores de espaço em contraposição aos riscos potenciais de acumular placa e de causar lesões em tecidos moles, concluindose que a indicação do uso de mantenedores de espaço deve ser feita de forma individualizada para cada caso,25 já que a quantidade de espaço que pode ser perdido, em alguns estudos, não é estatisticamente significante.13 Entretanto, em concordância com diversos autores,7,8,26-29 esta investigação reforça a importância de instaurar medidas preventivas apropriadas que diminuam a prevalência de cárie na população pediátrica e de oferecer tratamento oportuno com restaurações adequadas, que permitam manter os dentes decíduos na boca. Se as extrações forem necessárias, é imprescindível o uso de mantenedores de espaço, que não somente mantenham o perímetro do arco, como também restabeleçam a oclusão nos planos vertical e transversal e promovam crescimento e desenvolvimento dento-alveolar e facial corretos.
Nesta população, a perda prematura de molares decíduos apresentou associação positiva, estatisticamente significante, com a mordida cruzada anterior, a qual se torna mais estreita à medida que aumenta a quantidade de molares perdidos.
Recomenda-se que, em pacientes com perdas prematuras de molares decíduos, sejam confeccionados mantenedores de espaço que restabeleçam as relações oclusais, considerando-se os planos sagital, transversal e vertical.
Recebido: 15-10-2010
Aprovado: 20-11-2010
Correspondência: yerikgarcia@hotmail.com